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A cidade de São Paulo, como outras constituídas como uma organização política e social a partir do estabelecimento de direitos e deveres (Rolnik, 1997), foi ao longo do tempo, primeiro pelo capital industrial, depois pelo financeiro, mudando suas formas de organização a partir do molde dos negócios e da mercadoria, período que se arrasta até os dias atuais, no qual a iniciativa privada, por meio de parcerias e financiamentos dos projetos públicos ainda direciona a construção da cidade-mercadoria.

Os produtores do espaço urbano, especialmente, proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários e os promotores imobiliários, em benefício próprio, direcionam o crescimento da cidade pautada na fragmentação e na segregação socioespacial (Correa, 2000), na qual certas regiões recebem mais investimentos que outras. Basta ver o mapa da vulnerabilidade social da população de São Paulo. Nessa pesquisa fica nítido o maior desenvolvimento do quadrante sudoeste e o abandono das 

periferias distantes onde faltam os serviços mais essenciais, como escolas, postos de saúde, hospitais, creches e saneamento básico. Essa situação pode fazer com que as pessoas lancem sobre as periferias uma visão equivocada, já que acreditam na proporcionalidade existente entre conforto, oportunidades com criatividade/movimento. A aridez da periferia não significa diretamente um deserto de ideias e projetos, uma alienação.

Milton Santos (2001), em famosa reflexão sobre a globalização neoliberal, lembra que mesmo em tempos onde a tirania da informação e do dinheiro aprofundam a competitividade, o empobrecimento das massas e o surgimento de novos totalitarismos, como, por exemplo, o consumismo, podemos perceber um movimento de pessoas que ao se apropriarem de uma família de técnicas formada pela tríade computador, fax modem e telefone conseguem criar não só informação precisa, como também novas concepções do real divulgadas em diferentes linguagens e formatos, como, por exemplo, cinema, teatro, dança, música, literatura, rádios comunitárias, enfim uma infinidade de ações que fogem do padrão imposto pelos atores hegemônicos que insistem na ideia do pensamento único divulgado pelas grandes agências internacionais de informação.

A cidade do espaço enquanto mercadoria, São Paulo cidade do consumo começa contrariar a ideia do “vamos aceitar as coisas como estão, porque não há mais nada a fazer” para entrar numa nova lógica, no novo período, talvez no período popular da história como bem definiu Milton Santos (2001), contexto marcado pelo protagonismo da sociedade civil, especialmente dos não hegemônicos.

“No plano teórico o que verificamos é a possibilidade de produção de um novo discurso, uma nova metanarrativa, um novo grande relato. Esse novo discurso ganha relevância pelo fato de que, pela primeira vez na história do homem, se pode constatar a existência de uma universalidade empírica. A universalidade deixa de ser apenas uma elaboração abstrata na mente dos filósofos para resultar numa experiência ordinária de cada homem. De tal modo, num mundo datado como o nosso, a explicação do acontecer pode ser feita a partir de categorias de uma história concreta. E isso, também, que permite conhecer as possibilidades e escrever uma nova história “ (Santos, 2001:21).

A negação da tese de que chegamos ao fim da história, tese defendida exaustivamente por Francis Fukuyama (1992), surge de experiências pontuais espalhadas pela cidade, entre pessoas que buscam narrar e escrever a partir de suas vivências outras versões da história, quebrando assim a crença na narrativa única, ícone dos arautos do neoliberalismo. Ao quebrar esse paradigma, surgem uma infinidade de discursos, projetos, invisíveis aos meios de comunicação de massa, em diferentes regiões da cidade. No centro e na periferia Associações, Coletivos, Pontos de Cultura divulgam, numa outra lógica, que não a da mercadoria, visões sobre o mundo.

Desses movimentos, o que inicialmente pode tratar-se apenas de uma narrativa sobre o cotidiano do seu lugar, do seu pedaço, desvendando os problemas, códigos de ética e comportamento, festas etc, como acontece nas extensas letras de RAP, pode nascer um ativismo transformador de pensamento.

 

 “Podemos dizer, entretanto, que essas novas experiências têm um grande potencial e podem se transformar em importantes agentes políticos no debate sobre a cidade e na construção de propostas de novas formas de organizar a vida e o espaço urbano” (SOUZA & RODRIGUES, 2004: 96).

Então, a sociedade civil, organizada em coletivos e associações ao promover, em diversos lugares da cidade, ações de ocupação e intervenções urbanas, que resignificam o papel do cidadão na discussão sobre a cidade enquanto um lugar de encontro e convivência, pauta os temas direito à cidade e uso dos espaços públicos como discussão e causa.

E distanciando-se do anterior, esse novo período promove um caminho contrário do individualismo, do privativismo e do consumismo à medida que cria novos pontos de encontro em espaços públicos, como escolas, bibliotecas, parques e praças. Lugares nos quais surgem projetos coletivos baseados em novos valores, como respeito à comunidade e à integridade ecológica, uma comunicação não violenta, feita em nome de uma justiça social e econômica.

Mapear então esses coletivos, conhecê-los por dentro, compreender seus modos de pensar, se organizar e agir faz-se necessário, já que essas formas de organização podem refletir na própria organização na cidade.

A ideia do projeto é construir uma reflexão e memória desse movimento, produzindo registros históricos e artísticos de tais experiências e articulando reflexões acerca dessas apropriações culturais do espaço urbano e da construção de culturas de convivência que valorizam o encontro, a diversidade e a experimentação nos espaços públicos espalhados pela cidade, na contramão do individualismo exacerbado no tempo e espaço da cidade de São Paulo. Como um museu ao ar livre, sem objetos nem sede fixa, o Projeto “Praça Girante” se propõe a mapear e articular coletivos ocupando praças com troca de saberes, oficinas culturais e discussões sobre às histórias e narrativas das pessoas que participam desse movimento.

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